Desabafos de Marvão

O convite de um amigo para desabafar na Rádio Portalegre, todas as quartas, às 7.30h, 10.30h, 13.30h, 17.30h, 23.30h, levou-me também a criar um espaço, na blogosfera, onde possam ficar registados os textos da versão radiofónica. Espero que gostem e já agora, se não for pedir muito, que vos dê que pensar. Um abraço...

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Um rapazinho de Marvão

terça-feira, outubro 10, 2006

1º Desabafo - 4 de Outubro de 2006

A notícia é do género das tão más, tão más que se chegam a tornar realidade. E a realidade, crua e dura, chegou como um soco no estômago: a direcção da multinacional americana Johnson Controls, uma das líderes mundiais na produção de componentes para automóveis, confirmou oficialmente o fecho das suas fábricas de Nelas e Portalegre, em Agosto do próximo ano, empurrando 875 trabalhadores, 225 dos quais da fábrica de Portalegre, para o desemprego.

Se bem que nos tomou a todos de surpresa, ninguém pode dizer que este era um cenário de todo imprevisível. Embora os teóricos das ciências empresariais se esforcem por nos convencer do contrário, a verdade é que as leis do mercado e os princípios gerais que regem o funcionamento das economias são conceitos relativamente simples, compreensíveis até para criancinhas acabadas de entrar para a escola. E a coisa resume-se a isto: há os senhores muito, muito ricos que vivem para lá do atlântico, que querem gastar o menos possível para fabricar os produtos que vendem, com o objectivo de ganhar cada vez mais, que se instalam num determinado país mas descobrem a dada altura que há outros países no Leste da Europa, com trabalhadores aos quais têm que pagar menos para fazer basicamente o mesmo e, sem mais, é armar a trouxa e zarpar.

Depois, é um baile de secretários de estado e ministros por um lado, dirigentes partidários e sindicalistas por outro, uns a tentarem justificar, outros a tentarem legitimar actuações e procedimentos mas a verdade, como disse em tom amargurado uma trabalhadora da fábrica de Nelas, ao tentar justificar a fraca afluência de trabalhadores no plenário com os dirigentes sindicais, a verdade, verdadinha é que os homens decidiram fechar e já está! Podem-se desenhar soluções, estratégias e caminhos a seguir, mas parece-me que para além de lutar por indemnizações o mais justas possíveis, pouco mais haverá a esperar desta gente.

A economia, como a vida, é mesmo assim e assusta a rapidez e a frieza como cenários supostamente idílicos se transformam num curto espaço de tempo, em terríveis pesadelos. Recordo-me que em dado momento, nos idos anos 80, em que o escudo era bem mais forte que a peseta, se falava num negócio de ouro na localidade da Portagem: umas bombas de gasolina! Nos cafés e nas conversas de esquina, se alguém perguntava por uma oportunidade de negócio, lá vinham à baila as bombas da Portagem que a estrada prometia, eram muitos camiões, era um local de passagem, as bombas mais próximas estavam longe e fora de rota, mil e uma razões para enriquecer, ali à mão de semear. Pois bem… os anos passaram e as bombas nunca chegaram e ainda bem para quem não investiu porque as voltas do mundo, dos governos e do mercados ajudaram a formar uma Espanha mais forte e hoje, a bomba de gasolina de sonho existe mas está do outro lado da fronteira, a rir-se de nós enquanto recebe de braços abertos as filas portuguesas em romaria de fim-de-semana para atestar. A do lado de cá, se existisse, estava como o do reclame, “a vê-los passar!”.

No caso da Johnson, todos sabíamos que não seria uma daquelas longas histórias de relação entre fábricas e famílias, estilo conto de fadas moderno em que as fábricas casam com as cidades e as regiões. A história em que o avô foi fiel de armazém, o filho que entrou pela sua mão chegou a chefiar uma fase de montagem e o neto até foi director de produção. Todos sabíamos que esta era uma história com fim à vista e o fim poderia estar tão próximo como se veio a provar.

Gostava de deixar uma palavra especial para os trabalhadores. Vivi muito de perto o drama do desemprego. Tal como muitas das vossas famílias, também a minha caiu nesse drama num volte-face do destino, à meia-noite de um 31 de Dezembro de 1989, em que se abriram as portas da Europa e se fecharam as do emprego para muitos dos habitantes da freguesia da Beirã, no meu concelho de Marvão, que trabalhavam na área das alfândegas. Sei de perto o que se sofre. Sei que o que mais dói, não é o ter que fazer e refazer contas, o ter que dizer que não aos filhos, o ter privações, o ter que aceitar a piedade dos outros, às vezes mesmo, o ter de partir. O que mais dói é o vazio que se instala lentamente dentro, o não ter que fazer, o ver as horas e os dias sempre iguais, o ter de lutar em silêncio, contras as filas e a indiferença. O duro é sentir-se inútil. E é essa a grande batalha de todos agora.

Diz o ditado que não há porta que se feche que não se abra uma janela. Há que erguer o olhar e seguir em frente, há que ter fé numa autarquia consciente e informada que está do lado dos seus munícipes, há que não desistir e procurar outras formas de triunfar.

Mas a lição da Johnson deve ser aprendida por todos nós, porque nestes tempos que correm não há eldorados, não há soluções milagrosas, não há empregos que caem do céu.

E para isso, a nossa saída estratégica tem de passar invariavelmente por empresas de pequena dimensão e não por grandes estruturas, tem de passar pela exploração consciente dos nossos recursos endógenos e não pela produção de bens que podem ser a fabricados em qualquer outra parte do mundo.

A nossa saída passa por sermos autênticos e racionais.

Que não tenhamos vergonha de copiar o que é bem feito, por quem o faz bem.

Posso-me enganar, mas parece-me o futuro não está lá fora. O futuro tem que nascer de dentro. De dentro de nós próprios.

1 Comments:

Blogger janita said...

Sobreiro excelente esta passagem dos CINCO nem o teu irmao se ia lembrar desta.Fizeste com que houvesse uma acesa discusão ca em casa no bom sentido em relação as aventuras da nossa infancia.PARABENS

João Almeida

Amigo do Sabi ALGARVE

8:37 da tarde  

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