Desabafos de Marvão

O convite de um amigo para desabafar na Rádio Portalegre, todas as quartas, às 7.30h, 10.30h, 13.30h, 17.30h, 23.30h, levou-me também a criar um espaço, na blogosfera, onde possam ficar registados os textos da versão radiofónica. Espero que gostem e já agora, se não for pedir muito, que vos dê que pensar. Um abraço...

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Localização: Marvão, Alentejo, Portugal

Um rapazinho de Marvão

terça-feira, abril 24, 2007

30º Desabafo – 25 de Abril de 2007 – Dias de Romaria


Quando o mês de Abril chega a meio, quando os dias se “esticam” em tardes longas já armadas em soirées de Verão, quando se aproximam os dias vinte, começa a cheirar a festas de São Marcos na minha terra natal adoptiva, Santo António das Areias. Esta realidade não será certamente muito diferente da que se verifica por essas terras do distrito e do país fora quando chega à altura do ano em que tempo é de homenagear o padroeiro ou a santinha da devoção.

Nestes tempos de São Marcos dei por mim a pensar em contingências / trivialidades que só dão mesmo vontade de desabafar…

Não querendo ser pessimista nem desolador, não querendo voltar a tocar na ferida a despropósito, não consigo evitar partilhar convosco a tristeza que me invade ao ser testemunha ocular da morte do interior e de todo um modo de vida. Por mais que digamos que não, que pode ser que a coisa mude, que a esperança é a última a morrer… pouco ou nada há a fazer para evitar o inevitável, e dói mesmo muito. Ao olharmos em volta, vemos que as pessoas são cada vez menos, cada vez mais idosas, a viver com cada vez mais dificuldades e ou acontece um milagre aqui e agora e já, ou o desfecho está bom de se ver. Já não me lembro do tempo em que a festa de São Marcos tinha um cunho marcadamente agrícola e rural, em que se benziam os animais e se pedia à divindade que protegesse campos e culturas, sementeiras e criações. Não sou desse tempo mas lembro-me bem quando era miúdo, de ver por aqui nestas alturas, muitas, muitas barracas e diversões que só nos visitavam precisamente a razão desta efeméride. Havia carros de choque e carróceis, barraquinhas de tiro ao alvo e ginjinha, muita pipoca e algodão doce e até o jogo da derruba das latas de refrigerantes com as meias cosidas, que qualquer um de nós podia recriar quando quisesse em casa, mas tinha ali outra magia, capaz de sacar um sorriso irónico da loura platinada que servia de assistente ao ver uma carambola bem medida. De ano para ano, vêm cada vez menos feirantes, cada vez mais tímidos e encolhidos, a queixarem-se que aquele já foi chão que deu uvas. A coisa chegou a tal ponto que se abalasse a roulotte das bifanas, se partisse a meia dúzia de marroquinos com tecnologia made in loja do chinês e se tirássemos as luzes da Praça, nem parecia que vivíamos a festa maior da maior das localidades do concelho em termos populacionais.


Mas em tempos de São Marcos percebi também que nem tudo é mau, que ainda há pessoas capazes de desinteressadamente se reunirem e trabalharem por um objectivo comum, pessoas que sem terem a certeza de um retorno imediato se dedicam a causas em que acreditam, deixam família e ócio para trás, ficam a dever muitas horas de sono à cama e batem o pé quando é preciso para organizarem um bom bailarico, um torneio de malha, um convívio de tiro ao prato ou mesmo uma bela tourada à antiga portuguesa capaz de encher a nossa praça outra vez e que bonita que estava!

Nestes dias de São Marcos em que a palavra de ordem é, mais que viver, conviver, nestes dias em que saímos de casa e procuramos uns pelos outros, confirmei a minha teoria que esta invenção do euro é uma espécie de doença de laboratório que os economistas das europas inventaram para nos explorarem um bocadinho mais. Ai que saudadinhas dos meus escudos… Como diziam as senhoras do anúncio, eu ainda sou do tempo em que quando se andava com uma notita de quinhentos no bolso, estava-se mais que garantido e até dava para assobiar e agora, com os arredondamentos mais que mágicos é ver as de 20, as de 10 e as de 5 a voarem do bolso para fora para nunca mais voltarem. E não me amolem nem me venham chamar retrógrado e antiquado porque com cafés a 140 paus e toda a gente bem disposta, não há bolsa nem conversão que resista.

Nestes dias em que se sai mais e se vê menos televisão, reparei que o mundo está cada vez mais parecido com as novelas brasileiras querendo eu dizer com isto que mesmo que se falhem 10 episódios, não há qualquer risco de perder o fio à meada porque gira o disco e toca o mesmo! Em 5 minutos de um noticiário de relance enquanto se mastiga qualquer coisa, vêm-se massacres desvairados nos Estados Unidos (que se auto-intitulam os mais civilizados do mundo e onde só não anda de pistola à cintura quem não quer!); lutas fratricidas na facção mais há direita da nossa direita política, caças ao skins por cá e aos votos em França, mortes, bombas e destruição, a cabeça do Fernando Santos numa bandeja; a campanha quase colonialista do Alberto João e uma ou outra variedade no final para terminar com um espírito bem disposto como convém.

Nestes dias fui também a Espanha em missão profissional com um amigo que por lá viveu e os conhece como ninguém e fiquei com vontade de emigrar quando me explicou a forma como os hermanos organizam os seus dias. Começam a jornada de trabalho às nossas 8 da manhã e largam à nossa uma para retomarem apenas no dia seguinte. Quando saem do serviço não dispensam o copo e o petisco de convívio com os amigos e colegas de trabalho, almoçam às duas da tarde… e depois? Depois nunca falham a famosa siesta e no resto do dia? Pergunto eu. No resto do dia? Vivem, que é o que nós tantas vezes nos esquecemos de fazer! Fazem o que lhe der la gana e quando trabalham, trabalham a sério porque só assim se explica os índices de produtividade e rendimento que fazem de Espanha uma das grandes potências da Europa, deixando-nos tantas vezes a tossir na poeira do seu rasto.

Nestes dias de São Marcos e enquanto regressava embrulhado nestas minhas conjecturas, olhei para o cartaz das festas e para o grande baile de terça-feira, animado por uma óbvia orquestra espanhola e dei por mim a pensar se as politicamente incorrectas sovas que o nosso bravo Afonso Henriques espetou na mãezinha ao tempo da fundação da nacionalidade não teriam sido mais que a despropósito. Pelo menos nós aqui na Raia, safávamo-nos bem melhor com uma copla bem animada que com um faduncho entristecido daqueles que não é capaz de animar ninguém. A ver vamos o que isto ainda dá!

quarta-feira, abril 18, 2007

29º Desabafo – 18 de Abril de 2007 – “A maior das maravilhas”


O castelo de Marvão é um dos 21 candidatos às 7 maravilhas de Portugal.

E se à primeira vista este é um tema cujo interesse poderia para muitos ser confinado às fronteiras limítrofes da realidade concelhia, o caso muda de figura se constatarmos que de todas as imensas riquezas patrimoniais, culturais e naturais do distrito de Portalegre, o castelo de Marvão é a única a concurso.

Partindo daqui e da pertinência do assunto, gostava de partilhar convosco alguns dados, algumas revelações e um ou outro pensamento sobre a temática.

Na Antiguidade Clássica, longo período da história da humanidade situado entre o século VIII a.c. e o século V d.c., foram erguidas as chamadas sete maravilhas do mundo antigo, um importante conjunto de obras arquitectónicas e artísticas que testemunhavam a magnitude do trabalho e do espírito humano. Entre elas constavam as Pirâmides de Gizé, a mais antiga de todas as obras e a única que resistiu até aos nossos dias; os Jardins Suspensos da Babilónia, em que o mito e a fábula da sua verdadeira existência nunca se dissiparam ao longo dos tempos; a Estátua de Zeus, construída em ouro e marfim e adornada com pedras preciosas em Olímpia; o Templo de Artémis, em Éfeso, actual Turquia, dedicado à deusa grega da caça e dos animais selvagens; o Mausoléu de Halicarnasso, também um sumptuoso monumento fúnebre; o Colosso de Rodes, uma gigantesca estátua de 30 metros de altura e setenta toneladas de bronze dedicada ao deus grego Hélios, e o Farol de Alexandria, uma torre de mármore situada na ilha de Faros, no Egipto, destruída por um terramoto e cujos restos foram recentemente encontrados por mergulhadores depois de confirmados via satélite.

A coisa manteve-se durante séculos até que no ido ano de 1999, o suíço Bernard Weber, de 55 anos, um multimilionário dado a excentricidades que já foi director de museus, cineasta, piloto de aviões e cidadão do mundo que viajou pelos cinco continentes, decidiu meter mãos à obra para a criação de uma votação global destinada a escolher os novos sete monumentos símbolo do planeta para o futuro.

Visitou a Unesco, pegou na lista do Património Mundial, um índice do legado cultural e natural do mundo inteiro, e dos 644 sítios elegeu 17. Depois e com recurso já à Fundação da Novas 7 Maravilhas, colocou a votação na Internet e pediu aos utilizadores do mundo inteiro que sugerissem outros edifícios que tivessem sido construídos pelo homem antes de 2000 e reflectissem a identidade do seu país. Daí resultaram perto de 200 monumentos apurados que foram reduzidos por um painel de famosos arquitectos aos 21 que constam da eleição e onde pontuam, por exemplo, a Acrópole de Atenas, a Alhambra de Granada, o Coliseu de Roma, o Cristo Redentor do Brasil, a Estátua da Liberdade de Nova Iorque, a Grande Muralha da China, as ruínas de Petra na Jordânia, o Taj Mahal da Índia ou a famosa Torre Eiffel de Paris.

Até 7 do 7 de 2007, qualquer cidadão do nosso planeta com acesso à Internet pode aceder ao sítio das 7 maravilhas, facilmente detectável através de um motor de busca e escolher quais são para si as 7 maravilhas à escala mundial que devem ser eleitas, colaborando assim no primeiro grande voto global para a escolha dos novos ex-libris da humanidade. O resultado será registado num cd de ouro que será enviado para o espaço e quem poderá algum dia saber qual o efeito que irá surtir…

E o que é que Portugal e Marvão têm a ver com toda esta história, perguntarão certamente alguns e com razão? Ora bem, se olharmos atentamente para um planisfério, Portugal, e mais concretamente a cidade de Lisboa, situam-se praticamente no centro, o que convém à visão unificadora que está na base da votação. Para escolher as novas jóias, nada melhor que o centro do mundo tal como o vemos nesta perspectiva. O facto de a cerimónia final ter lugar na Catedral da Luz já e uma verdade que me desculparão certamente por não comentar, evitando assim “bocas” que se antevêem menos simpáticos de alguns rivais clubísticos mas se me permitem, a escolha do local parece-me da maior justeza e nobreza e mais do que adequada ao nível dos melhores do mundo.

Mas bem, avancemos, como diz o outro. Temos pois que a 07.07.07, o mundo inteiro estará de olhos postos no Estádio da Luz para assistir à cerimónia que se antevê como a arrebatadora de todos os records de audiência televisiva de sempre. A coisa promete!

Assim que se aperceberam de todo este andamento, algumas empresas lusas ligadas à produção de eventos e ao mundo da publicidade colocaram as cabecitas a trabalhar na busca daquilo que é o objectivo último do seu trabalho: fazer dinheiro e gerar riqueza. E daqui saiu a brilhante ideia do: “espera lá, pá… se estes gajos vêm cá para o nosso país escolher as novas maravilhas do mundo, se está tudo em cima, se a coisa gera milhões, se não há nenhum ilustre representante português na nova elite, porque não escolhermos nós as 7 maravilhas de Portugal?” Igualmente simples e brilhante, não concordam? Esta vistosa manifestação do melhor espírito portuguesito de aproveitamento, justificada pela constatação académica que “copiar por quem faz bem não merece má nota” deu um estardalhaço que nem vos digo nem vos conto.

O método não foi preciso inventar porque, claro está, estava já tudo inventado! Pegaram-se nos 793 monumentos classificados pelo IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico); juntaram-se 7 peritos que seleccionaram 77 monumentos (a ideia do número 7 fica sempre bem!); e depois, um Conselho de Notáveis convidados pelas duas empresas promotoras, entre os quais contam historiadores, políticos, actores, sociólogos, gestores, jornalistas, cientistas e tudo o que melhor se pode esperar, escolheram os 21 monumentos finalistas que serão submetidos a votação.

Tiveram até o cuidado, para que a coisa não descambasse em balelas, de convidar o inquestionável e mais que intocável Prof. Freitas do Amaral para encabeçar o processo.

Nos 21 finalistas encontramos os inevitáveis como os Jerónimos; a Torre de Belém; os Palácios Nacionais da Pena e de Queluz; o castelo de Óbidos; o mosteiro da Batalha; o Convento de Cristo em Tomar; o Templo de Diana e a Torre dos Clérigos; os prováveis como as ruínas de Conímbriga, Castelo de Guimarães e Mosteiro de Alcobaça, e os outsiders, os que correm por fora como o Palácio Ducal de Vila Viçosa, as fortificações de Monsaraz e o Castelo de Marvão.

Mas, meus amigos, não tenhamos ilusões: trata-se de um negócio, de algo que foi feito para valorizar mas também para gerar dinheiro e nestas coisas como disse um dia e muito bem um notável colaborador meu e da minha autarquia, “trata-se de uma eleição em que Marvão é um partido pequeno, sem militantes, que nem dinheiro tem para bonés”. Não quero eu dizer com isto que Marvão não possa porventura vir a ser votado. Oxalá assim fosse! Mas o que me parece é que a votação é desleal.

É desleal porque nem todas as autarquias às quais tentam extorquir dinheiro para promoção (não esqueçamos que a imagem do concurso tem dono e direitos!) têm a mesma disponibilidade para enterrar milhares de contos nesta história, em bandeirolas e balões de ar quente, em mesas de voto electrónicas e páginas de publicidade nos grandes meios.

É desleal porque a forma de votação realizada sobretudo pelo único meio disponibilizado em meses, a internet, é elitista e favorece largamente as cidades e os meios desenvolvidos que têm outras facilidades no acesso às novas tecnologias.

É desleal porque ao colocarem a decisão nas mãos dos cidadãos favorecem obviamente as áreas mais populosas do litoral e das grande urbes. Não me vão jamais conseguir convencer que o concelho de Marvão com os seus pouco mais que 4 mil habitantes tem hipóteses quando comparado por exemplo com Guimarães que tem mais de 50 mil, já nem vou mais longe!

É desleal porque quem tem apetência para votar e entrar em força nestes concursos é um público-alvo muito específico, com ideias muito próprias que não representa em força o país (só assim se justifica que Salazar seja o maior português de sempre!)

É desleal porque quando se fazem galas e grandes espectáculos, os melhores sítios nas plateias vão sempre para os mesmos; os quadros representados pelos artistas são só de alguns locais; é desleal porque apesar de todos terem direito a cenários pagos por todos, apenas alguns ficam nas luzes da ribalta, frente aos melhores holofotes, nos melhores ângulos de ecrã e o MEU castelo querido lá escondido atrás e bem podia reclamar com a produtora que o resultado era o mesmo.

Mas não me interpretem mal! Não há nada mais triste que desculpas de mau pagador, que justificações para quem não sabe perder, porque não se trata disso! Trata-se apenas de, com a devida justiça, esclarecer e informar, aclarar e justificar o porquê das coisas que NUNCA acontecem sem explicação.

Apesar de tudo isto, apelo a todos os que me ouvem e que têm computador em casa, no trabalho, na escola, na casa do neto ou do vizinho, que vão, votem em Marvão e ajudem a fazer justiça.

E digo-vos mais… que seja qual for o resultado final, que EU: que regressado de uma viagem vislumbro orgulhoso no horizonte o castelo altaneiro de vigia no alto da escarpa íngreme; que passei muitas noites deslumbrado no miradouro da asa delta a contemplar o manto negro adornado com luzinhas a meus pés; que me maravilhei tantas vezes com o nevoeiro cerrado que me fazia sempre acreditar que estava num barco enorme a domar um mar gelado sem fim; que me arrepiei da guarita com o som da águia, o pio da coruja, o ladrar do cão ao longe; EU que como TANTOS que nasceram, se deliciam todos os dias com a vista da muralha e hão-de morrer naquele alto, que por muitas e infinitas maravilhas que haja no nosso país e no mundo até… nenhuma delas é tão linda como o meu Marvão.

quarta-feira, abril 11, 2007

28º Desabafo – 11 de Abril de 2006 – “A vergonha… por um canudo!”


Já é do domínio público que sofro horrores a ver o meu Benfica jogar mal. Sofro tanto, tanto que vejo os anos a voarem do calendário da minha vida e esta por esse motivo, a andar para trás. Sei que sofro e sofrerei, é certo, mas a desfaçatez é tal que já me vejo muitas vezes a sorrir e a rir mesmo até porque perante tamanha calamidade, não vislumbro outro remédio. E assim sempre se dura mais tempo…

O mesmo digo em relação ao país. Assistir a um noticiário em horário nobre na televisão, ler as grossas de um jornal diário ou mergulhar num tema de destaque de um semanário, sempre que o assunto seja de política interna ou do foro nacional, não merece outro resultado que não uma sonora gargalhada. Só mesmo assim…

A esta hora já todos ouviram falar no caso “Unigate” que é como os jornalistas de agora chamam à balbúrdia que rebentou na Universidade Independente. A esta hora já toda a minha boa gente ouviu falar que as coisas para aqueles lados estão tudo menos bem. Com o boom das universidades privadas nos anos 80, houve muito malandro de fato e gravata que viu nessa oportunidade uma jogada de puro génio para criar uma área intocável onde podiam ser comodamente tratadas matérias menos lícitas como tráfico de influências e lavagens de capitais. Com o caso da Universidade Moderna ainda bem a quente, o da Independente, que o é só de nome, veio confirmar todas as nossas piores suspeitas relativas a esses meandros sórdidos e promíscuos onde o dinheiro e a vida académica se enrolavam com forças maçónicas e interesses dúbios ligados a economias paralelas e ao mundo do crime “puro e duro”. Na Independente, nesse templo moderno do saber, deu-se razão à sabedoria popular que diz que quando se zangam as comadres, dizem-se as verdades e dali para as portadas dos jornais envolvendo nomes da cúpula da instituição com tráfico de armas, jóias e branqueamento de divisas foi um pulinho.

Os alunos, ansiosos e preocupados, aqueceram longas Assembleias Magnas em que questionaram ferozmente o reitor, arrombaram portas, colocaram cadeados, fizeram mil e um disparates que só se perdoam porque o desnorte era geral e o nem o Dr. Mariano Gago, ilustre Ministro de Ensino Superior, com aquele seu ar de cientista russo dos anos 70, conseguiu pôr fim à barafunda.

Mas a cereja no cimo do bolo ainda estava por colocar…

Os jornalistas de agora, habituados a travar diariamente lutas de morte para vender papel, levando à frente tudo o que apanham e esgravatando até ao mais ínfimo detalhe para apanharem algum desprevenido, acabam sempre por se safar e desta vez foi com o próprio actual reitor da UNI, Luís Arouca, que a propósito do escândalo dissertou de boca cheia no “24 Horas”sobre a licenciatura do Sr. Primeiro Ministro José Sócrates, na prestigiada instituição que dirige. Nessa sua brilhante prelecção em que recorda os tempos de aluno do nosso chefe de governo, espalha-se ao comprido, falando e coleccionando imprecisões sobre matérias que claramente não domina: avança que o nosso PR terminou o curso com uma média de 16 valores quando a nota registada é apenas de 14, diz-se surpreendido pelo exame oral que ele próprio lhe fez a “Inglês Técnico” quando o regente da cadeira era outro e recorda disciplinas onde Sócrates se destacou, disciplinas essas que Sócrates não frequentou de todo porque pura e simplesmente não existiam nessa data no curso de Engenharia Civil daquela instituição.

Como quem cospe para o ar, acaba sempre por lhe cair em cima, o senhor reitor levantou ainda oportunas suspeitas sobre a validade da licenciatura em Direito de Amadeu Lima Carvalho, outro dos sócios da SIDES, proprietária da Universidade Independente, com o qual entrou em litígio e este, como quem sabe da missa mais da metade, não perdeu tempo respondendo que o seu “diploma é tão verdadeiro como o do senhor primeiro-ministro”.

São os dois suspeitos de falsificação de documentos e ambos ou muito espertos ou muito parvos porque o baile mandado que começaram ainda está muito longe de acabar.

Sócrates entrou para a Independente em 1995 para completar uma licenciatura em Engenharia Civil iniciada muitos anos antes no Instituto Politécnico de Coimbra e continuada no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Para conseguir obter o grau, teria de completar cinco cadeiras na UNI, quatro das quais foram leccionadas pelo mesmo professor, António José Morais e uma quinta, a do já falado “Inglês Técnico”, ministrada pelo reitor Luís Arouca, nunca tendo o verdadeiro regente da cadeira vislumbrado a figura de Sócrates.

Os únicos documentos analisados pela investigação jornalística, classificados como “Dossier Sócrates” não passam de um conjunto de papéis soltos, sem numeração nem carimbo da instituição, não constando sobre o mesmo qualquer número de aluno, ano lectivo ou turma. Duas folhas manuscritas e com algumas disciplinas quase ilegíveis constituem o plano de equivalências, que não possuí data e assinatura, não tendo sido possível consultar o Livro de Termos exigido por lei, onde deveriam constar os dados académicos dos alunos, nem livros de sumários, horários, listas de professores e de disciplinas, alegadamente por não existirem.

O diploma de final de curso de Sócrates foi assinado pelo reitor e pela sua filha, chefe dos serviços administrativos da UNI (tudo em família, portanto!), num dia 8 de Setembro de 95, ou seja, um domingo.

O Ministério não tem qualquer informação documental.

Os colegas entrevistados garantem que Sócrates não punha o pé nas aulas e que só o avistaram nos exames das quatro cadeiras finais realizados pelo mesmo docente, “chegando dez minutos depois da hora, sentando-se no fundo da sala, isolando-se dos restantes e saindo sempre antes do término da prova”.

E o enigma adensa-se quando se pesquisa mais aprofundadamente sobre quem é esse professor responsável por 4/5 das cadeiras então decisivas: António José Morais. Dando seguimento à lógica do “cá se fazem, cá se pagam”, António José Morais esteve por duas vezes em governos socialistas de onde acabou por sair depois do seu nome ser envolvido em polémicas públicas. Na primeira vez, estando ligado à Fundação para a Prevenção e Segurança de onde rolou a cabeça de Armando Vara, chegou ao Gabinete de Estudos e Planeamento de Infra-Estruturas do Ministério da Administração Interna onde foi responsável por concursos, adjudicações e obras realizadas nos serviços dependentes do MAI, nomeadamente quartéis de bombeiros, esquadras da PSP e GNR e instalações do SEF. Saiu depois de estalar a polémica e quando o seu nome surgiu num relatório instaurado pela Inspecção-Geral da Administração Interna responsabilizando-o por alegadas irregularidades na adjudicação de empreitadas na Quinta de Santo António. No regresso a cargos oficiais já na actual legislatura, é chamado para Director do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, mas volta a ser afastado em Janeiro de 2006, por Alberto Costa, quando o jornal “O Independente” traz a público a contratação deliciosa que fez, sem qualquer tipo de concurso, de uma cidadã brasileira que trabalhava no restaurante “Sr. Bacalhau” no Centro Comercial Colombo, para o cargo de responsável máxima do Gabinete de Logística do Instituto que dirigia, com um salário de 1700 euros. Haja Cristo!

Um excelente currículo portanto.

No meio desta complexa embrulhada, resta a Sócrates muito mais que os sorrisos dissimulados com que se esquiva dos jornalistas. Mais do que empurrar o assunto para instâncias competentes, convinha-lhe a ele e a todos nós portugueses, que estamos fartos de ser enganados, alguma dignidade.

Bill Clinton, enquanto presidente dos Estados Unidos da América, mentiu à nação quando jurou em sede de Comissão, não ter tido um envolvimento sexual com a estagiária Mónica Lewinsky. Depois das análises às celebres manchas do vestido azul e depois de já não ter por onde esconder mais, confessou-se, retraiu-se, pediu perdão e foi na realidade amnistiado porque se assim não fosse, nunca a sua mulher, Hillary Clinton, estaria hoje tão bem posicionada para se tornar na 1ª dama a chefiar a mais poderosa nação do mundo.

Aquilo por que nós clamamos no fundo e em relação ao escândalo da licenciatura de Sócrates, é que se faça luz e das duas uma: ou sejam apresentadas provas concretas e cabais que desvaneçam qualquer margem de dúvidas, ou haja um claro pedido de desculpa, um mais que óbvio pedido de demissão e um esforço pelo restabelecimento da legalidade porque de mentiras e de golpes nas costas, estamos nós mais que cheios.

quarta-feira, abril 04, 2007

27º Desabafo – 4 de Abril de 2007 – “Serviço de Urgências”




É usual ouvir-se dizer que para um homem se sentir realizado é preciso plantar uma árvore, escrever um livro e fazer um filho. Das três façanhas, a mim, basta-me a última. Ter um filho é a empreitada maior que alguém pode esperar nesta encarnação. Quando concebido em consciência e plenitude, um filho é algo muito maior que a própria vida. Um conhecido cantor americano cá das minhas preferências, pai depois de uma longa e conturbada existência, escreveu uma canção em que dizia que um filho é o princípio de uma grande aventura. Ter um filho é passar a viver em mais do que um corpo. Nos filhos prolongamos a nossa própria existência, nos filhos ultrapassamo-nos, projectamo-nos no tempo e no espaço, vencemos a própria morte ao perpetuarmos a nossa memória… por sermos vivos enquanto recordados. Ao termos filhos nunca mais descansamos completamente, passamos a ter dois corações, duas maneiras de pensar e nunca estaremos completamente felizes se eles não estiverem também. Depois dos idílicos primeiros tempos, entramos na longa gestação da sua própria personalidade, enfrentamos birras e privações, insónias e tentações, deixamos, definitivamente, de pensarmos só em nós para passarmos, para sempre, a pensar primeiro naqueles que são o nosso mais que tudo.

Mas vivemos tempos difíceis, tempos estranhos estes em que muito, muito cedo, cedo demais os separamos de nós. Antigamente e não há muito tempo, o convívio entre as famílias e a proximidade de todos os seus membros era o grande gerador de felicidade caseira. Hoje trabalhamos que nem cães para podermos pagar a quem faz o serviço que deveríamos ser nós gratuitamente a fazer. Desmultiplicamo-nos em brinquedos e atenções, em vestidinhos e ilusões quando no fundo às vezes o que nos pedem com um olhar que não vemos é um mimo e um pouco de atenção. Começam cedo demais a seguir o seu percurso e por muito próximos que estejamos, nunca estamos suficientemente próximos para saber tudo. Por vezes, só quando a ameaça paira e o perigo espreita, só quando o azar nos bate à porta é que sentimos verdadeiramente o importantes que são para nós.

E a última Quinta-feira tinha realmente tudo para ser mais um dia normal de trabalho em que nos separamos à porta da escolinha para nos voltarmos a avistar bem no fim já noite dentro. A reunião da meia manhã foi interrompida com o telefonema assustado da auxiliar que ligava do Parque Infantil de Castelo de Vide para onde se tinham deslocado num passeio de férias da Páscoa. A Leonor tinha caído desamparada do alto de uma estrutura de dois metros e estava muito chorosa e queixosa das costas. Tinham seguido para o Centro de Saúde e nós fomos na sua peugada. Com a adrenalina a “bombar” nas artérias e com mil cenários angustiantes a martelar na cabeça voei o mais rápido que pude e encontrámo-la lavada em lágrimas, a contorcer-se com dores na marquesa. Depois de uns absurdos e incompreensíveis 20 minutos à espera de um médico que fizesse uma primeira triagem e após as infrutíferas tentativas de chegar à fala com alguém responsável (ainda hoje estou por descobrir onde é que estiveram metidos) acabei por minha conta e risco por arrancá-la dali o mais depressa possível e levá-la para Portalegre, na esperança de melhor sorte. É de facto a maior das vergonhas tanto laxismo e tanto “deixa andar” mas nem mesmo por se tratar de uma criança e de uma questão de aparente cuidado puderam perder um instante do seu precioso tempo para reencaminhar o caso. E mesmo assim não me livrei de um comentário infeliz de um dos de serviço que só não mereceu resposta mais personalizada por ter manifestamente coisas mais importantes que tratar então, como a urgência me levou também a não deixar o testemunho no Livro das Reclamações que era certamente o que de melhor tinha feito porque episódio destes, como eu costumo dizer, só dão vontade de passar à luta armada.

Em Portalegre o atendimento foi, desta vez, exemplar. Enfermeira simpática e de pronto serviço, pediatra atenciosa e dedicada e o inevitável Raio X que por muito que se explicasse que não doía era motivo para mais uma investida de novo pranto. As dores eram mais que muitas e tentar sentá-la ou pô-la de pé era impensável. Foi grande o alívio por não haver fractura declarada mas ainda assim carecia do olho clínico do ortopedista. O de serviço era de aparência uma mistura entre o José Carlos Malato e o Fernando Pereira. Meia-idade, barbinha desenhada a régua e esquadro, cabelinho à moderna com uns toques de gel, ar bonacheirão e bem disposto teve, apesar de não estar especialmente vocacionado para atender crianças, um comportamento digno de compêndio. Confiante e bem falante, adaptou o discurso e uma descrição técnica ao nível da paciente para que percebesse tudo e deu magistral aula de bem saber fazer. Aconselhou-a a muitas sestas, repouso, massagens e tardes deitada no sofá a ver desenhos animados e a comer guloseimas de Páscoa. Escusado será dizer que o choro deu rápido lugar a um sorriso de orelha a orelha perante tão auspicioso prognóstico. A simpatia foi tanta que o Doutor chegou ao pormenor de lhe recomendar uns bébézinhos de licor muito bons como os que a sua mãe lhe costumava comprar quando era pequenino. Depois da receita aviada e das despedidas formais não é que no carro me lembrei que tinha visto há dias os bons dos bombons numa das prateleiras do Modelo? Não foi cedo nem foi tarde, tirei de seguida para o mais próximo e lá comprei duas caixinhas de bombons de licor, deliciosos por sinal! uma de bebés e outra de legumes. Pedi à menina para embrulhar e colei cartãozinho pessoal a desejar as maiores felicidades, boas Páscoas e a ofertar os meus humildes préstimos para se um dia lhe puder ser tão útil como ele me foi a mim nesse mesmo. Depois da converseta com o segurança, lá entrei assim meio à socapa e esperei no corredor. O senhor Doutor estava a acabar de almoçar, disse a menina do fatinho verde. Surpreendido por me ver de regresso e ainda mais quando viu o presente, imaginem então (e é aqui que é pena a rádio não dar para ver) o sorriso do homem e o seu ar de incrédulo quando contemplou os mesmos bombons que a mamã lhe costumava comprar ali mesmo à sua frente. Anda balbuciou um “que detalhe! Esta é daquelas que tocam fundo” e deixei-o feliz porque também assim fiquei e como é tão melhor quando tudo corre bem.

Ainda assim, apesar da medicina convencional já nada mais ter para dizer, e aparentemente estar tudo em vias de ficar normalizado, é claro que não descurei o cuidado e rumei caminho de Alter para visita ao inevitável Ti Chico apesar do risco acrescido de já passar do meio-dia. Este sim que bem merecia uma estátua ou uma rotunda ou um título nobiliário qualquer. Dos três estabelecimentos de saúde que frequentei durante o dia este ainda foi onde estive mais tempo à espera mas também foi onde fui mais bem servido. Naquela meia hora já faziam fila o Peugeot com os velhinhos espanhóis e o Golf branco com o casalinho de namorados e era regalo vê-los entrar todos amolgados e saírem direitinhos e mais fresquinhos que os acabados de sair da fábrica.

Assim que as mãos sábias pousaram nas costinhas brancas da pequena Leonor, como se tivessem um TAC na ponta dos dedos, emitiram de pronto o diagnóstico que não era de todo favorável. As duas vértebras deslocadas não voltariam ao seu lugar original sem um valente apertão que provavelmente iria fazer doer de novo. Estranhamente e ainda se está para saber se por já ter passado tanto nesse dia, a coisa correu às mil maravilhas e até o bom do Ti Chico se admirou de tamanha facilidade.

Pois se é obrigatório o tal Livro das Reclamações que bem aqui ficava um de elogios porque este homem, de tanto bem ter feito a tanta gente, bem merecia também uma distinção de bom serviço à Comunidade, porque o seu bocadinho de Céu já o tem mais que garantido. Bem Haja, bom homem! E até daqui a… espero eu, muito tempo!