Desabafos de Marvão

O convite de um amigo para desabafar na Rádio Portalegre, todas as quartas, às 7.30h, 10.30h, 13.30h, 17.30h, 23.30h, levou-me também a criar um espaço, na blogosfera, onde possam ficar registados os textos da versão radiofónica. Espero que gostem e já agora, se não for pedir muito, que vos dê que pensar. Um abraço...

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Um rapazinho de Marvão

terça-feira, maio 22, 2007

34º Desabafo – 22 de Maio de 2007 – “Farewell, Goodbye!”


E eis que ao fim da trigésima quarta jornada, nos encontramos no término da temporada 2006/2007 da rubrica “Desabafos”. Foi um desafio muito motivador mas bastante exigente pela regularidade e pela necessidade de uma produção semanal constante. Devo confessar-vos que mesmo para uma pessoa como eu, naturalmente extrovertida na fala mas que se encontra mais cómoda do que nunca no acto solitário da escrita, foi por vezes difícil cumprir este repto da forma que seria mais desejada… ou porque os compromissos familiares e profissionais obrigavam a longas incursões noite dentro, na árdua tarefa produtiva; ou porque a semana foi parca em assuntos de interesse; ou porque os próprios temas davam mais ou menos azo a desenvolvimentos. Não foi, de facto, fácil.

Eu que sempre que pude fiz um esforço para acompanhar as crónicas bem fundamentadas dos meus ilustres colegas de tribuna, sei que provavelmente adaptei um estilo mais pessoal, mais informal, menos político, menos directo que os seus. Sei que fui de alguma forma criticado por particularizar demasiado, por adoptar um cunho vincadamente pessoal mas isso acaba de alguma forma por ser indissociável da minha própria maneira de ser e de viver. Sendo a crónica o mais livre de todos os estilos, aquele em que nos podemos livremente apropriar de trejeitos e maneirismos, de truques e artimanhas para enaltecer ou defender uma visão muito pessoal da realidade, fiz sempre por tentar levar um pouco de mim para que também os outros se pudessem entregar na sua própria análise.

Sei que por vezes fui demasiadamente extenso, mas a paixão fala mais alto e como diz o povo, “conversa puxa conversa”. É fácil deixarmo-nos levar ao sabor da pena ou ao longo do teclado, conforme calhasse melhor.

Às vezes fui insólito e controverso e foi nessas alturas que mais tive o grato prazer de ser questionado por opiniões diferentes da minha. Sim, porque o grande objectivo desta empreitada, se bem se lembram, sempre foi, mais do que convencer, o fazer pensar, o fazer reflectir e o contribuir para a discussão.

Outras vezes fui polémico e deixei à solta uma certa rebeldia latente reconhecida por quem me conhece bem, mas entreguei-me sempre de alma e coração e esforcei-me por dar o melhor de mim numa perspectiva abnegada.

Foi um longo processo de aprendizagem pessoal que se desenrolou continuamente na medida em que me levou muitas vezes a arquitectar conjunturas e estratégias, a reunir argumentos e a dissecar possíveis temas a abordar, nas horas e nos sítios mais improváveis.

Em jeito de conclusão e porque vem na mesma linha de raciocínio, gostaria de vos falar numa amizade que fiz recentemente e me ajuda, de alguma forma, a ilustrar o que me vai na alma neste derradeiro comentário.

Conheci o Paul num final de tarde, no Café do Manuel Ventura, quando um imenso pôr-do-sol dourado envolvia a paisagem de Marvão e os primeiros grandes calores do ano se faziam sentir. Há poucos dias, pois. O Paul, do alto do seu metro e noventa e os seus, presumo eu, cinquenta e muitos anos de idade, correspondia visualmente àquilo que muitos de nós preconcebem como um inglês típico. Mais típico que ele deve ser, na verdade, impossível, porque nem os chinelos de Verão com meias de Inverno por baixo falhavam. A franja grisalha adornava-lhe a testa e caía de par em par para os lados, antes de se aninhar atrás de duas orelhas bem britânicas. Tinha um ar simpático e o seu sorriso aberto mostrava a dentição desalinhada e amarelecida por tanto chá, digo eu. Detrás dos óculos graduados, fitava-nos um olhar atento e vibrante que acompanhava tudo aquilo que dizia.

O Paul é proprietário de uma peixaria no sul de Inglaterra e é já um inveterado por Marvão, para onde se retira desde há alguns anos a esta parte, para dar largas à sua grande paixão: a pintura. Detentor de um extraordinário british accent, debitava na estilosa pronúncia cockney, um inglês muito difícil de captar aos primeiros minutos. Mostrou-se de trato afável e muito sociável, exprimindo desde logo a sua admiração pelo nosso burgo que eu me esforçava por traduzir aos meus interlocutores imediatos que a ouviam com a mesma atenção com que ouvem um relato de futebol. Contou pormenores das suas anteriores estadias, falou do seu octogenário pai que desta vez ficou por terras de sua majestade e revelou o seu ecletismo ao recordar os concertos de música clássica que via em Londres e as exposições que devorava sempre que podia. Falou-me de Picasso e Monet, de El Greco e dos seus heróis das tintas e dos pincéis.

Disse-me que em relação à vila de Marvão, o que mais o impressionava era a luz e que a sua grande ambição era conseguir captar na tela a forma com as diferentes tonalidades se fundem na linha do horizonte, o que na minha tabela classificativa, o fez subir ao topo e me deixou com um nível de expectativas enormíssimas quanto ao seu talento. Educado e respeitador, convidei-o a assistir à emissão em directo da Antena 1, a partir do nosso castelo, na qual aguentou estoicamente a conversa da qual não percebeu patavina, para poder de seguida admirar o talento imensurável do novo “Quarteto em Mim” que há dias deslumbrou Portalegre. “They’re absolutely gorgeous”, disse-me emocionado no final, com a satisfação no rosto de um faminto que acabou de devorar um “bife à Portugália”.

Fui-me cruzando com ele por diversas vezes, tendo sempre o extremo cuidado de não incomodar a sua catarse criativa. Via-o ao longe, com uma enorme quantidade de tintas e pincéis espalhados à sua volta pelo chão. Punha-se de pé, ria-se da perspectiva, encenava um bailado criativo que era engraçado de se contemplar, sobretudo quando gesticulava as formas abstractas que desenhava no ar. A minha ansiedade de poder vislumbrar um rabisco que fosse era enorme e fui-me aguentado como podia. Ele sorria e dizia que sim com a cabeça, o que para mim significava que a coisa ia. Nunca quis ser indelicado e ia aguardando. Até ao dia em que o vi sentado de frente à Pensão D. Dinis, prontinho para a plasmar no papel. Chamou-me. “Wanna take a look?”. “Sure!”, respondi, apressado. Acho que ganhei então a sua confiança. Não devo ter conseguido disfarçar a desilusão estampada no rosto quando cheguei ao pé. Sei que não sou entendido em pintura, e longe de mim querer julgar alguém pelo que faz mas o que vi então, não era nada do outro mundo, acreditem. O pobre, presumo que acometido pelo desalento disse-me: “it’s only a draft!”. “Oh, I see”, respondi-lhe esperançado e retribuindo a simpatia num sorriso, porque mesmo que fosse apenas um rascunho… era, acreditem, um mau rascunho.

Aquilo deu-me que pensar e lembro-me de ter ficado por diversas vezes a admira-lo em silêncio, sem que me visse, ao longe, vendo o prazer que parecia estar a ter. Transmitia-me a clara sensação que poderia ficar ali o resto da vida, agarrado aos seus tarecos.

Dei por mim a pensar na lição do Paul que é no fundo um espelho daquilo que tentei fazer aqui nos desabafos: o trabalho final pode não ser grande coisa, mas o prazer que retirei fez tudo valer a pena.

E no fundo, na nossa própria vida, o segredo para a felicidade de que tantas vezes aqui falei, pode ser mesmo esse: “não nos preocuparmos tanto com o resultado final, mas mais com o prazer que sentimos ao longo do percurso, vivendo cada dia como se fosse o último!”.

Nunca gostei de despedidas. Preferi sempre um “até já” ao triste dramatismo de um “adeus”. Foi o que disse ao Paul e é o que digo a todos os ouvintes e leitores que me acompanharam ao longo de todo este tempo, agradecendo em especial aos que tiveram a amabilidade de a mim se dirigirem, para me felicitar por uma ou outra mensagem, para me dizerem que me compreenderam, para me contestarem, para me incentivarem e para serem a minha maior motivação. Um grande BEM HAJAM e até sempre! Oxalá nos voltemos a encontrar por aí um dia, nas curvas e contracurvas das nossas vidas.

10 Comments:

Blogger Unknown said...

Descobri há dias este Blog numa das minhas deambulações 'internéticas' sobre Marvão. É um prazer enorme mergulhar na tua escrita. Como te entendo... Continua!

9:02 da tarde  
Blogger Bonito said...

Bom… PARABÉNS pela empreitada. Não vou elogiar a escrita, nem na forma nem no conteúdo. Não é preciso. Eu, como muitos, apreciei os textos… sem surpresa… já tinha o prazer de te conhecer e saber com que qualidade, querer e paixão te dedicas às coisas.

Às vezes, as melhores vezes, em desacordo. Outras, nem por isso. Em várias, quer numa situação quer noutra, motivaste-me a opinar.

Dois pontos de interesse fulcrais: Marvão e os amigos que participaram.

Por isso apetece-me reforçar a ideia da criação de um espaço na Net para debatermos Marvão e… tudo o que nos apetecer. Além dos “óbvios” Jaimes, Bugas, etc que comentaram os teus desabafos senti que havia muitos outros(as) por aí à espreita para meterem a sua “colherada”. Com todos poderíamos fazer qualquer coisa engraçada.

Grande Abraço

Bonito Dias

12:32 da tarde  
Blogger Catarina said...

eu cá acho bonita a ideia do Bonito!

1:07 da tarde  
Blogger Pedro Sobreiro (Tio Sabi) said...

Mais uma vez obrigado. Para ser sincero, não estou muito habituado a receber elogios, sobretudo de quem considero e admiro. É um estímulo muito poderoso. Balsâmico, mesmo. Quanto à idéia da Casinha da Má Língua de Marvão, esse espaço de conversa e libertinagem que já alinhavámos em conspirações informais, é algo muito estimulante mas é um filho que vós mesmos tereis de parir. Nessa aí eu estou fora, como dizem os brasileiros, pelo menos por agora, enquanto estiver investido da vara do desígnio popular. Mas não quer isto dizer que não vá lá picar de quando em quando. Por agora, já decidi continuar esta vida de deambulações e delírios cibernéticos na minha nova casita on line em http://vendoomundodebinoculosdoaltodemarvao.blogspot.com/. Passem lá para um chá (no caso da Catarina) ou para uma fresquinha (no caso do resto da rapaziada). Meanwhile, que a força esteja convosco e vos ajude ao longo da jornada. Beijinhos!

10:06 da tarde  
Blogger João, said...

Pois é meu amigo tudo na vida tem um fim.

Quase me apetece desabafar que “os desabafos do Pedro têm mais encanto na hora da despedida”, mas não porque chegaram ao fim, mas sim porque acredito que valeu a pena esta experiência para ti e, sobretudo, para nós que encontrámos nas tuas crónicas uma forma de comunicação.

Esta ideia do “bonito”, não é apenas bonita, é essencial que a agarremos. A minha proposta era para que mantivesses este nome, definisses uma “linha editorial”, que nós vamos atrás. Isto é, tu vais aos “cornos do bicho que nós ajudamos”. Eu por mim, e devido à idade, só já posso prometer o “rabo”…. mas prometo que não falho, se me deixarem deitar-lhe a mão, não há “bicho” que se safe…isto é, Tema.

Por agora um abraço, e o meu muito obrigado pelos “34 Desabafos”.

10:16 da tarde  
Blogger Pedro Sobreiro (Tio Sabi) said...

Meu querido amigo, com a sua idade, prometer o rabo, já não é pouco! Mas ainda assim, remeto-o para o meu post anterior. Sendo um capítulo que chega ao fim, parece-me que o melhor seria alugar ou comprar uma "casa nova" para que esta possa descansar em paz. Eu já me mudei e seguindo a sua linha figurativa, não posso assumir o lugar de cabo dos forcados convosco porque sou directamente o Vice-Director da Corrida de Touros concelhia. Sigo a minha linha mais pessoal na outra morada e se quiserem, disponibilizo-me a prestar-vos o apoio que achem necessário para serem vocês mesmos a fazer a vossa garraiada. Mas não me posso meter em grandes sarrabulhos, não vá para aí dar cabo de alguma costela! Contem comigo, mas da bancada. A assobiar, ou a bater palmas, conforme seja a qualidade do espectáculo. Um abração.

3:23 da tarde  
Blogger João, said...

Meu caro “Pedrito” Sôbrero, não estou concordando contigo.
Da ideia que eu tenho da “coisa”, não vejo essas incompatibilidades. A ideia seria a de criar “um espaço de Liberdade”, sobre diversos temas da vida colectiva de todos nós, que poderiam ir do futebol à filosofia, dos impostos que pagamos aos direitos que não temos, da cultura aos copos, do triunfo dos incompetentes ao comportamento dos prepotentes, etc. etc.…

Não me revejo nessa ideia da “casinha da má-língua”, nem no refúgio dos anónimos, para isso a nossa terra já tem qb.

A criação de um “espaço de reflexão colectiva e responsável”, não me parece de todo incompatível com as “tuas funções de vice”, enquanto cidadão livre, responsável e informado. Mas gostaria de ver aqui expressas as opiniões dos aqui têm vindo comentando (e outros que queiram fazê-lo), para chegarmos a conclusões.

Um abraço .

12:47 da manhã  
Blogger Bonito said...

Não sendo habitual (nem normal) esta percentagem, subscrevo a 100% o último post do Buga!!!

Grande Abraço

Bonito Dias

9:43 da tarde  
Blogger Jaime Miranda said...

Chegou agora ao fim o mês de Maio, que também é de Maria, de IVA, de IRS e IRC., e já se pode descansar. Realmente é uma pena o fim destes Desabafos, mas o Sabi já continua a reflectir ao teclado, numa morada nova, e é muito bom reconhecer que está um artista de finas peças, com bom ritmo de produção. Quanto à proposta de uma casinha comum, para dar largas à má língua, já tinha apoiado a ideia e até fiquei que escrever algo para começar. Mas tenho de reconhecer a minha falta, acima de tudo por duvidar que conseguia fazer algo de jeito. Para ser sincero sou um pouco nabo nestas coisas da Internet. No início (no tempo do spectrum, e depois os 286) até me dava bem com os computadores, mas depois com a confusão de pc, macintosh, excel, memória ram, pdf, mp3 e etc, andei uns tempos perdido. Agora tenho andado a pesquisar blogs, a descobrir o messenger, a ver filmes no youtube e a descobrir coleguinhas de faculdade no hi5 e apesar, de não ter som no computador, já me sinto mais há vontade, em termos técnicos, para participar num blog. No que respeito à possibilidade de me comprometer a gerir uma página, não o posso fazer. Em primeiro lugar, que diz respeito aos conteúdos, tenho de ser outra vez sincero, e reconhecer que eu tenho as maiores dúvidas sobre aquilo que consigo escrever. Sempre que escrevo algo, um recado, um relatório ou um destes comentários, o resultado parece-me sempre (e é com certeza) longo e chato. Por isso seria uma ilusão pensar que poderia animar um espaço destes. Por isso, e para concluir, quero afirmar que fico entusiasmado com a possibilidade de participar num blog colectivo, colocando textos e imagens sobre o que der e vier à cabeça, segundo os critérios que forem definidos. Mas espero que haja outros realmente entusiasmados como eu (ou comigo) para partilhar num momento umas ideias instantâneas. Sabendo que é um abuso continuar esta discussão no blog do Sabi, acho que faz falta trocar ideias, aqui ou noutro lado. Fico à espera. Um grande abraço. Jaime Miranda

12:29 da manhã  
Blogger Pedro Sobreiro (Tio Sabi) said...

Ai Jaimita, Jaimita, temos de dar um pontapé no cú dessa auto-estima! Que pása compadre! Pareces um velho a falar. Não sei, não percebo, acho que não sou capaz... Que diacho, homem! Claro que sim, tu sabes como és bom, deves estar é esquecido. Tudo aquilo que dizes faz sentido, é pertinente e sabe bem a quem lê. Deixa-te lá de lamúrias e vamos mas é ver se avançamos mesmo com a tal casinha da má lingua que não pode ter outro nome que não este porque serve para tudo menos para dizer mal. E é por isso que tem piada. E tenho aqui o meu cunhado e o Bugalhão fechados numa arrecadação aos gritos a dizer que também querem e já não os posso aturar mais. Parece-me que vai haver novidades nestes tempos mais próximos. Está-nos mesmo a fazer falta essa tribuna virtual. Um beijo para ti!

10:17 da manhã  

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