Desabafos de Marvão

O convite de um amigo para desabafar na Rádio Portalegre, todas as quartas, às 7.30h, 10.30h, 13.30h, 17.30h, 23.30h, levou-me também a criar um espaço, na blogosfera, onde possam ficar registados os textos da versão radiofónica. Espero que gostem e já agora, se não for pedir muito, que vos dê que pensar. Um abraço...

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Um rapazinho de Marvão

quarta-feira, abril 11, 2007

28º Desabafo – 11 de Abril de 2006 – “A vergonha… por um canudo!”


Já é do domínio público que sofro horrores a ver o meu Benfica jogar mal. Sofro tanto, tanto que vejo os anos a voarem do calendário da minha vida e esta por esse motivo, a andar para trás. Sei que sofro e sofrerei, é certo, mas a desfaçatez é tal que já me vejo muitas vezes a sorrir e a rir mesmo até porque perante tamanha calamidade, não vislumbro outro remédio. E assim sempre se dura mais tempo…

O mesmo digo em relação ao país. Assistir a um noticiário em horário nobre na televisão, ler as grossas de um jornal diário ou mergulhar num tema de destaque de um semanário, sempre que o assunto seja de política interna ou do foro nacional, não merece outro resultado que não uma sonora gargalhada. Só mesmo assim…

A esta hora já todos ouviram falar no caso “Unigate” que é como os jornalistas de agora chamam à balbúrdia que rebentou na Universidade Independente. A esta hora já toda a minha boa gente ouviu falar que as coisas para aqueles lados estão tudo menos bem. Com o boom das universidades privadas nos anos 80, houve muito malandro de fato e gravata que viu nessa oportunidade uma jogada de puro génio para criar uma área intocável onde podiam ser comodamente tratadas matérias menos lícitas como tráfico de influências e lavagens de capitais. Com o caso da Universidade Moderna ainda bem a quente, o da Independente, que o é só de nome, veio confirmar todas as nossas piores suspeitas relativas a esses meandros sórdidos e promíscuos onde o dinheiro e a vida académica se enrolavam com forças maçónicas e interesses dúbios ligados a economias paralelas e ao mundo do crime “puro e duro”. Na Independente, nesse templo moderno do saber, deu-se razão à sabedoria popular que diz que quando se zangam as comadres, dizem-se as verdades e dali para as portadas dos jornais envolvendo nomes da cúpula da instituição com tráfico de armas, jóias e branqueamento de divisas foi um pulinho.

Os alunos, ansiosos e preocupados, aqueceram longas Assembleias Magnas em que questionaram ferozmente o reitor, arrombaram portas, colocaram cadeados, fizeram mil e um disparates que só se perdoam porque o desnorte era geral e o nem o Dr. Mariano Gago, ilustre Ministro de Ensino Superior, com aquele seu ar de cientista russo dos anos 70, conseguiu pôr fim à barafunda.

Mas a cereja no cimo do bolo ainda estava por colocar…

Os jornalistas de agora, habituados a travar diariamente lutas de morte para vender papel, levando à frente tudo o que apanham e esgravatando até ao mais ínfimo detalhe para apanharem algum desprevenido, acabam sempre por se safar e desta vez foi com o próprio actual reitor da UNI, Luís Arouca, que a propósito do escândalo dissertou de boca cheia no “24 Horas”sobre a licenciatura do Sr. Primeiro Ministro José Sócrates, na prestigiada instituição que dirige. Nessa sua brilhante prelecção em que recorda os tempos de aluno do nosso chefe de governo, espalha-se ao comprido, falando e coleccionando imprecisões sobre matérias que claramente não domina: avança que o nosso PR terminou o curso com uma média de 16 valores quando a nota registada é apenas de 14, diz-se surpreendido pelo exame oral que ele próprio lhe fez a “Inglês Técnico” quando o regente da cadeira era outro e recorda disciplinas onde Sócrates se destacou, disciplinas essas que Sócrates não frequentou de todo porque pura e simplesmente não existiam nessa data no curso de Engenharia Civil daquela instituição.

Como quem cospe para o ar, acaba sempre por lhe cair em cima, o senhor reitor levantou ainda oportunas suspeitas sobre a validade da licenciatura em Direito de Amadeu Lima Carvalho, outro dos sócios da SIDES, proprietária da Universidade Independente, com o qual entrou em litígio e este, como quem sabe da missa mais da metade, não perdeu tempo respondendo que o seu “diploma é tão verdadeiro como o do senhor primeiro-ministro”.

São os dois suspeitos de falsificação de documentos e ambos ou muito espertos ou muito parvos porque o baile mandado que começaram ainda está muito longe de acabar.

Sócrates entrou para a Independente em 1995 para completar uma licenciatura em Engenharia Civil iniciada muitos anos antes no Instituto Politécnico de Coimbra e continuada no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Para conseguir obter o grau, teria de completar cinco cadeiras na UNI, quatro das quais foram leccionadas pelo mesmo professor, António José Morais e uma quinta, a do já falado “Inglês Técnico”, ministrada pelo reitor Luís Arouca, nunca tendo o verdadeiro regente da cadeira vislumbrado a figura de Sócrates.

Os únicos documentos analisados pela investigação jornalística, classificados como “Dossier Sócrates” não passam de um conjunto de papéis soltos, sem numeração nem carimbo da instituição, não constando sobre o mesmo qualquer número de aluno, ano lectivo ou turma. Duas folhas manuscritas e com algumas disciplinas quase ilegíveis constituem o plano de equivalências, que não possuí data e assinatura, não tendo sido possível consultar o Livro de Termos exigido por lei, onde deveriam constar os dados académicos dos alunos, nem livros de sumários, horários, listas de professores e de disciplinas, alegadamente por não existirem.

O diploma de final de curso de Sócrates foi assinado pelo reitor e pela sua filha, chefe dos serviços administrativos da UNI (tudo em família, portanto!), num dia 8 de Setembro de 95, ou seja, um domingo.

O Ministério não tem qualquer informação documental.

Os colegas entrevistados garantem que Sócrates não punha o pé nas aulas e que só o avistaram nos exames das quatro cadeiras finais realizados pelo mesmo docente, “chegando dez minutos depois da hora, sentando-se no fundo da sala, isolando-se dos restantes e saindo sempre antes do término da prova”.

E o enigma adensa-se quando se pesquisa mais aprofundadamente sobre quem é esse professor responsável por 4/5 das cadeiras então decisivas: António José Morais. Dando seguimento à lógica do “cá se fazem, cá se pagam”, António José Morais esteve por duas vezes em governos socialistas de onde acabou por sair depois do seu nome ser envolvido em polémicas públicas. Na primeira vez, estando ligado à Fundação para a Prevenção e Segurança de onde rolou a cabeça de Armando Vara, chegou ao Gabinete de Estudos e Planeamento de Infra-Estruturas do Ministério da Administração Interna onde foi responsável por concursos, adjudicações e obras realizadas nos serviços dependentes do MAI, nomeadamente quartéis de bombeiros, esquadras da PSP e GNR e instalações do SEF. Saiu depois de estalar a polémica e quando o seu nome surgiu num relatório instaurado pela Inspecção-Geral da Administração Interna responsabilizando-o por alegadas irregularidades na adjudicação de empreitadas na Quinta de Santo António. No regresso a cargos oficiais já na actual legislatura, é chamado para Director do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, mas volta a ser afastado em Janeiro de 2006, por Alberto Costa, quando o jornal “O Independente” traz a público a contratação deliciosa que fez, sem qualquer tipo de concurso, de uma cidadã brasileira que trabalhava no restaurante “Sr. Bacalhau” no Centro Comercial Colombo, para o cargo de responsável máxima do Gabinete de Logística do Instituto que dirigia, com um salário de 1700 euros. Haja Cristo!

Um excelente currículo portanto.

No meio desta complexa embrulhada, resta a Sócrates muito mais que os sorrisos dissimulados com que se esquiva dos jornalistas. Mais do que empurrar o assunto para instâncias competentes, convinha-lhe a ele e a todos nós portugueses, que estamos fartos de ser enganados, alguma dignidade.

Bill Clinton, enquanto presidente dos Estados Unidos da América, mentiu à nação quando jurou em sede de Comissão, não ter tido um envolvimento sexual com a estagiária Mónica Lewinsky. Depois das análises às celebres manchas do vestido azul e depois de já não ter por onde esconder mais, confessou-se, retraiu-se, pediu perdão e foi na realidade amnistiado porque se assim não fosse, nunca a sua mulher, Hillary Clinton, estaria hoje tão bem posicionada para se tornar na 1ª dama a chefiar a mais poderosa nação do mundo.

Aquilo por que nós clamamos no fundo e em relação ao escândalo da licenciatura de Sócrates, é que se faça luz e das duas uma: ou sejam apresentadas provas concretas e cabais que desvaneçam qualquer margem de dúvidas, ou haja um claro pedido de desculpa, um mais que óbvio pedido de demissão e um esforço pelo restabelecimento da legalidade porque de mentiras e de golpes nas costas, estamos nós mais que cheios.

1 Comments:

Blogger Jaime Miranda said...

Voltando ao assunto, depois de ter visto a entrevista do Sócrates, reafirmo tudo aquilo que aqui escrevi em comentário recente sobre a política nacional. Mas vamos por partes. Quanto às explicações sobre o percurso académico, penso que o primeiro-ministro não esclareceu nem acrescentou nada sobre o que tem sido noticiado nos últimos tempos. As dúvidas sobre as habilitações que possui e a forma como as adquiriu não foram desvanecidas e as contradições que o caso encerra não mereceram explicação. Como afirmava António Lobo Xavier, em programa que foi transmitido depois da entrevista, se uma pessoa divulgar que tem uma licenciatura, vindo-se a saber que foi obtida através da passagem por três instituições, sendo que a que atribuiu o título académico foi encerrada por falta de qualidade no ensino que administrava e nas trafulhices dos responsáveis, que alguns dos professores que atribuíram as classificações foram alvo de sanções em vários estabelecimentos por problemas de dedicação à profissão e que os documentos que deveriam confirmar as habilitações não existem, foram rasurados, ou são contraditórios, dizia o comentador que uma pessoa nestas circunstancias não pode esperar que não se levantem questões sobre o seu percurso académico. Que essa pessoa seja o primeiro-ministro e que tenha reagido de forma tão eriçada, avançando inclusive para pressões para que as informações não fossem divulgadas pela comunicação social, torna o caso estranho e dá-lhe uma relevância e um interesse inquestionável. A situação, quanto a mim, não revela que Sócrates tenha falta de carácter que o impeça de continuar nas funções para que foi legitimamente eleito. Mas dá sinais sobre a personalidade do senhor, que devem ser tidos em conta na avaliação da sua carreira política. O facto de não ser engenheiro, de não ter esta qualificação profissional, não representa, a meu ver, qualquer limitação para o trabalho que pode e deve fazer, nem afecta a sua representatividade enquanto figura máxima do governo do país. Mas significa que a pessoa em causa, em certas circunstancias, pode dispensar alguns escrúpulos para atingir os seus fins ou que os princípios não o inibem de pretender passar uma imagem ou uma mensagem para o favorecer, mesmo que não correspondam à verdade. Mas talvez, nos dias que correm, esta característica não seja um defeito e até seja uma qualidade imprescindível para conseguir lidar com a comunicação social da melhor forma. E, quanto a isto, é inquestionável que Sócrates possui todas as qualificações que o permitem classificar de especialista. A entrevista foi um claro exemplo da mestria com este governo trata os meios de informação e, por consequência, a opinião pública. Sem dizer nada de novo, sem acrescentar um esclarecimento ou uma ideia concreta, o primeiro-ministro levou toda a gente a aceitar as suas explicações e a conseguir mais, ao conduzir os assunto para terrenos favoráveis, como a divulgação recente de dados sobre a actividade económica do país (que têm o beneficio de só serem ligeiramente compreendidos pelas pessoas, que não conseguem avaliar directamente o impacto nas suas vidas). Por isso, a minha opinião é que na passada quarta-feira o país assistiu ao mais elaborado acto de propaganda deste governo, proporcionado pela televisão pública, e apresentado pelo seu mestre-de-cerimónias com muita competência e até alguma originalidade. Não há dúvidas que cumpriu o seu papel como o tem vindo a cumprir há dois anos. Considero o engenheiro José Sócrates como um primeiro - ministro brilhante no seu estilo (que agrada à generalidade dos portugueses mas a mim não), que tem coordenado de forma eficaz a actuação da equipa que escolheu e que eu considero o melhor governo que o país já teve. No que diz respeito ao cidadão José Sócrates, já tenho mais reservas porque nunca gostei de pessoas obstinadas e irritadiças. Por isto, se me fizessem aquela pergunta trivial dos inquéritos – compraria um carro a esta pessoa – a minha resposta seria não, porque não faço negócios com gajos assim.
Só mais uma provocação para acabar. Agora que os engenheiros estão na moda, será que o Benfica vai dispensar o seu, que está a enterrar todas as esperanças dos benfiquistas virem a comemorar alguma coisa este ano? Estou na expectativa, como devem estar os adeptos, mas a estes faço uma sugestão – não se importem, porque o futebol é assim mesmo: sorte, apitos dourados, azar, dopping, muito dinheiro, emoções fortes. Só assim é que se pode explicar que uma equipa que no ano passado estava para descer à segunda divisão, este ano esteja em 4º lugar. Já sabem – viva o Belenenses!
Um abraço do Jaime Miranda

11:43 da manhã  

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