9º Desabafo - 29.11.2006 - Fugir ou não fugir... eis a questão!

Tenho com o Benfica uma profunda relação de adoração que transcende todas as barreiras do lógico e do admissível. Grito, esperneio, sofro caladinho, exulto de alegria! Eu sei que é muitas vezes irracional, inexplicável, indecifrável mas é também uma ligação genuína e de entrega absoluta. Sendo nascido numa família de lagartos, apaixonei-me ainda em criança pelos caracóis negros do Chalana e do Humberto Coelho, pela farta peruca do Pietra e pelos bigodes do Veloso e do Bento, sempre irredutível, seguro e felino entre os postes. O doce bailado cerebral do Shéu… A graciosa agilidade do Néné no coração da área… Os petardos atómicos do Carlos Manuel… Nem que viva mil anos me esquecerei daquela noite de 18 de Março de 1981, em que pisei pela primeira vez o solo sagrado da Luz, a noite em que pude ver que os meus heróis eram mesmo de carne e osso como eu, correndo como loucos para derrotar por 1-0 o Fortuna Dusseldorf, na 2ª mão dos Quartos-de-Final da Taça dos Vencedores das Taças. Com o passar dos anos, a paixão cresceu, com a família que ganhei via casamento, com a malta da bola, com muito sofrimento e muita alegria à mistura.
Comovo-me cada vez que o amigo Januário, do alto dos seus oitenta e muitos, tira do bolso com emoção, a carteirinha de cabedal já escura do tempo, para me mostrar vezes sem conta o bilhete sagrado de 65 que testemunha a goleada em que espetámos 5 aos todo-poderosos de Madrid.
Ainda recentemente, na época passada e para a Liga dos Campeões, em excursões de carro cheio e muita ilusão, protagonizámos devotas romarias à Luz e Deus recompensou-nos dando-nos a graça de termos podido presenciar e viver noites mágicas que ficarão para sempre gravadas a fogo no lugar mais lindo dos nossos corações. Ver tropeçar os gigantes ingleses do Liverpool e cair tombados os milionários de Manchester, para honra e delírio de todos nós! Absolutamente memorável.
Sócio com as quotas em dia, se faz favor!, porque também quero ser parte deste sonho lindo, porque também quero ajudar com a minha parcela e sobretudo porque me dá um gozo enorme passear à volta do estádio, contemplar a relva e pensar que aquele tijolo, aquele metro quadrado de verde ou as meias que o Petit calçou no dérbi também são minhas! Acho que ninguém leva a mal a abstracção.
Mas esta relação de benfiquismo não é cega. Sou incapaz de dizer que jogam quando todos vêm que não jogam mesmo. Como sei que o Mantorras está arrumado, que o pequeno italiano tem lesões a mais, que o Gomes às vezes passeia em vez de jogar, e que este engenheiro comigo não passa mesmo no exame. Sei distinguir a verdade do embuste. Esforço-me por ser clarividente e esta conversa toda não tem como objectivo a pregação do Benfiquismo como ideologia suprema (bem podia!) mas sim porque serve de passadeira para o que quero hoje desabafar convosco.
É que o Veiga a mim nunca me enganou. Os fatinhos impecáveis, o sorriso malino, a poupa estucada em laca, o sotaque, meus amigos, o sotaque! Pois é! Até o Benfica enfia barretes! Se o homem é sócio e Presidente de uma Casa do Porto no estrangeiro. Pelo amor de Deus… o que é que ele anda ali a fazer?
Pois agora com a história do João Pinto ter ido para o Sporting veio tudo ao de cima e o que deu à costa é tudo menos bonito de se ver. Só em 3 anos, de 97 a 99, o senhor Veiga omitiu ao fisco proveitos na ordem 9 milhões de euros. O esquema até era bem simples e consistia na criação de empresas em paraísos fiscais para facturar as comissões de transferências de jogadores de futebol dos quais era agente. Com estas offshores desviava elegantemente os proveitos obtidos em solo luso para lugares tão exóticos como ilhas das Caraíbas, evitando assim a liquidação do imposto em Portugal.
A vivenda de 70 mil contos em Birre barbeada recentemente pelos funcionários judiciais era pertença de uma destas empresas offshores, sedidada nas ilhas virgens britânicas.
Valeu-nos uma administração fiscal cada vez mais atenta e até que enfim! bem dirigida que conseguiu apurar em auditoria quem era o cérebro destas operações malévolas de engenharia financeira que visavam a fuga grosseira aos impostos.
Graças à oportunidade da actuação podemos admirar a gravidade e extensão do chamemos-lhe furto: de 2002, 3,9 milhões de IRC; de 2000, 4,7 milhões de euros de IRS, e 1,4 milhões em IVA.
E o mais grave de tudo isto é que muita gente foi conivente com a situação e na ânsia de melhorar o plantel, calar as hostes e subir na tabela classificativa, “cá vai disto!”. Ou não me digam que os dirigentes dos três grandes que com ele negociaram não suspeitaram das contas do estrangeiro onde depositavam as comissões das transferências?
E chegamos ao cerne da questão, ao âmago do problema. Nos países nórdicos, nas sociedades mais evoluídas do mais evoluído dos continentes em termos de funcionamento social, quem foge ao fisco é ladrão e ponto final. Quem foge ao fisco rouba e o verbo é mesmo este e não outro. Roubar! Em Portugal, o portuguezito que dá a banhada às finanças é herói e gaba-se do feito frente aos amigos. Quem nunca assistiu, num desses balcões por aí espalhados e já depois de umas cargas etílicas, à triste dissertação de um desses infelizes, vociferando à boca cheia as mais inomináveis barbaridades sob os seus feitos de fuga aos impostos. Quem nunca ouviu o inenarrável: “quer com factura ou sem factura? É que com a factura ainda leva com o IVA?”.
Uns tristes que até há bem pouco tempo, passavam impunes. Mas com a crescente informatização dos sistemas da administração fiscal, com a adopção de processos de funcionamento mais céleres e eficientes, com as reformas do património e constantes adaptações, com a contínua formação dos novos quadros e o indispensável cruzamento de dados, muita coisa há-de mudar nos próximos anos. Para bem de todos nós, os pagantes.
Porque neste esquema todo quem se lixa é o mexilhão, e os trabalhadores por conta de outrém que ao fim do mês o recebem já com desconto, sabem do que estou a falar.
Porque a coisa, como dizem agora os Gift, é “fácil de entender”! As sociedades são como as pessoas. Imaginem agora que eu me juntava com 3 amigos e íamos viver juntos para um apartamento. Do dinheiro que ganhávamos fazíamos uma colecta da qual tirávamos apenas o estritamente necessário para pagar aquilo que era despesa de todos: o medicamento, a aula de formação, a diária do guarda, e havia de entre nós, um desses inteligentes que se escapava e deixava de meter a sua parte na terrina de loiça em cima do frigorífico que é de todos. O que é que acontecia? Das duas, uma: ou deixava de chegar para tudo, ou tínhamos de cortar nalguma coisa.
É imperioso que o português que contribui tenha a satisfação de pensar que é ele que faz mover este país, que é ele que paga a escola, a esquadra, o tribunal e o hospital. É ele que com o seu humilde e esforçado contributo, faz a engrenagem seguir em frente e continuar.
Mas também é imperioso que a captação de impostos e a fiscalização redireccionem as baterias em força para o trabalho independente, para o comércio e a empresa, para aqueles que têm margem de manobra e mais facilidade em criar esquemas paralelos. Essa deve ser a próxima grande batalha que se quer dura e eficiente. Pagando todos, libertamos aqueles que pagam agora, tantas vezes com tanto custo.
Em frente que como diz o povo, “quem não deve, nada terá a temer”.

Tenho com o Benfica uma profunda relação de adoração que transcende todas as barreiras do lógico e do admissível. Grito, esperneio, sofro caladinho, exulto de alegria! Eu sei que é muitas vezes irracional, inexplicável, indecifrável mas é também uma ligação genuína e de entrega absoluta. Sendo nascido numa família de lagartos, apaixonei-me ainda em criança pelos caracóis negros do Chalana e do Humberto Coelho, pela farta peruca do Pietra e pelos bigodes do Veloso e do Bento, sempre irredutível, seguro e felino entre os postes. O doce bailado cerebral do Shéu… A graciosa agilidade do Néné no coração da área… Os petardos atómicos do Carlos Manuel… Nem que viva mil anos me esquecerei daquela noite de 18 de Março de 1981, em que pisei pela primeira vez o solo sagrado da Luz, a noite em que pude ver que os meus heróis eram mesmo de carne e osso como eu, correndo como loucos para derrotar por 1-0 o Fortuna Dusseldorf, na 2ª mão dos Quartos-de-Final da Taça dos Vencedores das Taças. Com o passar dos anos, a paixão cresceu, com a família que ganhei via casamento, com a malta da bola, com muito sofrimento e muita alegria à mistura.
Comovo-me cada vez que o amigo Januário, do alto dos seus oitenta e muitos, tira do bolso com emoção, a carteirinha de cabedal já escura do tempo, para me mostrar vezes sem conta o bilhete sagrado de 65 que testemunha a goleada em que espetámos 5 aos todo-poderosos de Madrid.
Ainda recentemente, na época passada e para a Liga dos Campeões, em excursões de carro cheio e muita ilusão, protagonizámos devotas romarias à Luz e Deus recompensou-nos dando-nos a graça de termos podido presenciar e viver noites mágicas que ficarão para sempre gravadas a fogo no lugar mais lindo dos nossos corações. Ver tropeçar os gigantes ingleses do Liverpool e cair tombados os milionários de Manchester, para honra e delírio de todos nós! Absolutamente memorável.
Sócio com as quotas em dia, se faz favor!, porque também quero ser parte deste sonho lindo, porque também quero ajudar com a minha parcela e sobretudo porque me dá um gozo enorme passear à volta do estádio, contemplar a relva e pensar que aquele tijolo, aquele metro quadrado de verde ou as meias que o Petit calçou no dérbi também são minhas! Acho que ninguém leva a mal a abstracção.
Mas esta relação de benfiquismo não é cega. Sou incapaz de dizer que jogam quando todos vêm que não jogam mesmo. Como sei que o Mantorras está arrumado, que o pequeno italiano tem lesões a mais, que o Gomes às vezes passeia em vez de jogar, e que este engenheiro comigo não passa mesmo no exame. Sei distinguir a verdade do embuste. Esforço-me por ser clarividente e esta conversa toda não tem como objectivo a pregação do Benfiquismo como ideologia suprema (bem podia!) mas sim porque serve de passadeira para o que quero hoje desabafar convosco.
É que o Veiga a mim nunca me enganou. Os fatinhos impecáveis, o sorriso malino, a poupa estucada em laca, o sotaque, meus amigos, o sotaque! Pois é! Até o Benfica enfia barretes! Se o homem é sócio e Presidente de uma Casa do Porto no estrangeiro. Pelo amor de Deus… o que é que ele anda ali a fazer?
Pois agora com a história do João Pinto ter ido para o Sporting veio tudo ao de cima e o que deu à costa é tudo menos bonito de se ver. Só em 3 anos, de 97 a 99, o senhor Veiga omitiu ao fisco proveitos na ordem 9 milhões de euros. O esquema até era bem simples e consistia na criação de empresas em paraísos fiscais para facturar as comissões de transferências de jogadores de futebol dos quais era agente. Com estas offshores desviava elegantemente os proveitos obtidos em solo luso para lugares tão exóticos como ilhas das Caraíbas, evitando assim a liquidação do imposto em Portugal.
A vivenda de 70 mil contos em Birre barbeada recentemente pelos funcionários judiciais era pertença de uma destas empresas offshores, sedidada nas ilhas virgens britânicas.
Valeu-nos uma administração fiscal cada vez mais atenta e até que enfim! bem dirigida que conseguiu apurar em auditoria quem era o cérebro destas operações malévolas de engenharia financeira que visavam a fuga grosseira aos impostos.
Graças à oportunidade da actuação podemos admirar a gravidade e extensão do chamemos-lhe furto: de 2002, 3,9 milhões de IRC; de 2000, 4,7 milhões de euros de IRS, e 1,4 milhões em IVA.
E o mais grave de tudo isto é que muita gente foi conivente com a situação e na ânsia de melhorar o plantel, calar as hostes e subir na tabela classificativa, “cá vai disto!”. Ou não me digam que os dirigentes dos três grandes que com ele negociaram não suspeitaram das contas do estrangeiro onde depositavam as comissões das transferências?
E chegamos ao cerne da questão, ao âmago do problema. Nos países nórdicos, nas sociedades mais evoluídas do mais evoluído dos continentes em termos de funcionamento social, quem foge ao fisco é ladrão e ponto final. Quem foge ao fisco rouba e o verbo é mesmo este e não outro. Roubar! Em Portugal, o portuguezito que dá a banhada às finanças é herói e gaba-se do feito frente aos amigos. Quem nunca assistiu, num desses balcões por aí espalhados e já depois de umas cargas etílicas, à triste dissertação de um desses infelizes, vociferando à boca cheia as mais inomináveis barbaridades sob os seus feitos de fuga aos impostos. Quem nunca ouviu o inenarrável: “quer com factura ou sem factura? É que com a factura ainda leva com o IVA?”.
Uns tristes que até há bem pouco tempo, passavam impunes. Mas com a crescente informatização dos sistemas da administração fiscal, com a adopção de processos de funcionamento mais céleres e eficientes, com as reformas do património e constantes adaptações, com a contínua formação dos novos quadros e o indispensável cruzamento de dados, muita coisa há-de mudar nos próximos anos. Para bem de todos nós, os pagantes.
Porque neste esquema todo quem se lixa é o mexilhão, e os trabalhadores por conta de outrém que ao fim do mês o recebem já com desconto, sabem do que estou a falar.
Porque a coisa, como dizem agora os Gift, é “fácil de entender”! As sociedades são como as pessoas. Imaginem agora que eu me juntava com 3 amigos e íamos viver juntos para um apartamento. Do dinheiro que ganhávamos fazíamos uma colecta da qual tirávamos apenas o estritamente necessário para pagar aquilo que era despesa de todos: o medicamento, a aula de formação, a diária do guarda, e havia de entre nós, um desses inteligentes que se escapava e deixava de meter a sua parte na terrina de loiça em cima do frigorífico que é de todos. O que é que acontecia? Das duas, uma: ou deixava de chegar para tudo, ou tínhamos de cortar nalguma coisa.
É imperioso que o português que contribui tenha a satisfação de pensar que é ele que faz mover este país, que é ele que paga a escola, a esquadra, o tribunal e o hospital. É ele que com o seu humilde e esforçado contributo, faz a engrenagem seguir em frente e continuar.
Mas também é imperioso que a captação de impostos e a fiscalização redireccionem as baterias em força para o trabalho independente, para o comércio e a empresa, para aqueles que têm margem de manobra e mais facilidade em criar esquemas paralelos. Essa deve ser a próxima grande batalha que se quer dura e eficiente. Pagando todos, libertamos aqueles que pagam agora, tantas vezes com tanto custo.
Em frente que como diz o povo, “quem não deve, nada terá a temer”.