18º Desabafo – 31 de Janeiro de 2007 – A interrupção voluntária da felicidez

Pedindo a vossa paciência e implorando por misericordiosa compreensão, desculpem mas tem mesmo de ser e assim, uma vez mais… vão ter de levar com o aborto.
É que não dá! O pessoal está todo a ficar histérico com esta história e agora que se aproxima o dia D, é cerrar fileiras, entrar de carrinho e a varrer que “em tempo de guerra não se limpam armas”. De repente, parece que ficou tudo tontinho, os do gang do sim e os da turma do não, de bandeirinha e autocolante a varrer os mercados e vielas do Portugal mais que profundo, cada um vendendo os seus argumentos. Até as varinas do Bulhão andam desorientadas a pensar que as últimas eleições parece que foram ontem quando entra a turba ululante em plena alucinação colectiva. É uma encenação circense do mais alto gabarito. Ainda se queixa o Cardinalli que não encontra actuações de reconhecido mérito em solo luso e lá vai ele a caminho da China a buscar mais um comboio deles para o número do trapézio.
Bem dizia o outro que as paredes do Júlio de Matos são altas não para os que lá estão fugirem mas para os que estão cá fora não terem a tentação de entrar.
Pois eu, mais uma vez e já que me obrigam a ser chamado à pedra, tenho mesmo de dizer de minha justiça. Chamem-me retrógrado, tapado, machista, cabeçudo, ultrapassado, chamem-me Torquemada, chamem-me primitivo, regalem-se a baptizar-me com as mais inomináveis abjecções mas eu, nesse dia, voto um não consciente.
Aqui para nós que ninguém nos ouve, o menino Sócrates bem podia estar caladinho porque não lhe fica nada bem manchar a aura de isenção que ostenta na traseira da nuca com a declaração naquilo em que devemos votar. Até o Sampaio que tão confuso andou aqueles anos todos quando dormia em Belém, nos aparece agora mais que esclarecido porque, diz ele, “Portugal não pode ficar para trás”.
E a minha teimosia em não aceitar a liberalização do aborto até às 10 semanas prende-se com um único motivo: a vida desse feto que cresce lentamente na barriga da mãe não lhe pertence a ela, nem à mulher na sua condição, mas sim a ele próprio. Quero eu dizer com isto que se ninguém o impedir, se ninguém se armar em Deus e meter a faca onde a vida já por si brota, esse projecto de ser há-de passar disso mesmo e há-de ser gente de carne e osso. Defendo e acredito profundamente que essa vida que veio sabe-se lá de onde é autónoma e se há-de servir do casulo onde dorme então para passar a caminhar por si quando chegar a sua hora. Apesar de nunca ter sido fã dos Delfins, acabo nestes dias por lhes dar razão. Também eu acho que quando alguém nasce, nasce selvagem, no sentido em que em última instância não pertence a ninguém senão a si próprio e espero que não me mal interpretem nem procurem segundas intenções quando digo isto.
Nos dias que correm, com a informação e a multiplicidade de meios contraceptivos que existem, não faz sentido ter de recorrer a tão dramático corte da mais brutal das maneiras, pelo menos como prática corrente.
Depois vêm com a conversa dos que têm dinheiro vão a Badajoz e os pobres ficam a pé, que na Europa já se faz e eu quero cá saber da Europa e do que fazem os europeus se a conversa que tenho aqui é com a minha consciência e não com eles.
Dizem que se vai continuar a fazer, que vai continuar a haver…
Não digo que não, mas sim que essa é uma falsa questão. Porquê? Quando uma população partilha no mesmo território um sentimento de pertença e uma língua comum, quando uma nação atinge o Olimpo de poder ser um país, há um conjunto de leis que regulamentam o seu viver em sociedade, leis essas que podem ser mais ou menos permissivas, mais ou menos austeras, mais ou menos imutáveis. Pois eu penso que há muitas coisas que se praticam no meu país que podem continuar a acontecer mas lá por acontecerem não quer dizer que devam ser contempladas na lei.
Exemplos? Toda a gente sabe que há droga nas prisões. Se há consumo e doenças associadas à partilha de seringas, dizem os entendidos que devem haver kits descartáveis gratuitos para fornecer aos reclusos. Há quem concorde, certo? Pois eu discordo em absoluto e vão ter de me explicar como se eu fosse muito burro porque se uma prisão é um sistema fechado, alguém tem de meter a droga lá dentro para ela poder aparecer. Entretenham-se então a descobrir quem é que são os mafiosos que se andam a alimentar da conjuntura, fiscalizem os inputs, apliquem penas pesadas e deixem-se de lirismos porque o contrário é ser conivente com a maralha.
Também sou contra a liberalização das drogas duras apesar de muitos defenderem que com ela acabaria o tráfico, como sou contra a existência de salas de chuto assistido e contra a tributação desse tipo de rendimentos. Sim, porque o nosso Estado, espertalhão! prevê a cobrança de tributos até no caso dos obtidos a partir de fontes ilícitas, o que só lhe fica mal porque para além de ser só para inglês ver, ninguém está a imaginar as meninas do Intendente a irem a correr às Finanças para apresentar uma declaração de alterações porque superaram nessa tarde o limite do volume de negócios declarado para efeitos de IVA e IR, pois não?
Eu aqui sou um bocadinho mais pessoa de bem que o nosso mais que tudo e digo que se é ilícito que ilícito seja e continue. Às vezes temos de saber fechar os olhos para as zonas negras da nossa legalidade.
E tanto se me dá como se me deu que na Holanda se fumem ganzas e se cheire coca com a naturalidade com que cá se atam os atacadores dos sapatos. Não acho isso correcto. E o álcool? Bem, isso é outra história. Já dizia o Zé da Calçada que beber vinho era dar de comer a meio Portugal.
Pois voltando ao aborto, eu digo que não, embora tenha clara consciência que muito provavelmente o sim vencerá e elas hão-de abrir garrafinhas de champanhe e dar vivas. Às tantas, até uma ou outra caravana, não? Sim eu sei, a malta gosta é de festas.
Pois este vosso amigo diz-vos que não, que para mim pode continuar mas a lei não o deve contemplar pelo simples motivo que o feto que vai pelo esgoto abaixo ou incineradora dentro, nunca há-de correr à volta de um jardim, comer um gelado de limão à sombra de uma árvore no Verão, ver o mar ou ser gente como todos nós.
Pode parecer lírico, mas se um filho não vos dá jeito na altura, podem ao menos dar-lhe o direito a viver e entregá-lo para adopção depois. Ah, isso não! Nem pensar! É muito mais cómodo como querem agora: veste-se a bata, paga-se a nota e sai-se como se nunca tivesse sido nada. É um calo que saiu. Já está! E eu é que sou egoísta!
De tanta conversa louca que tenho captado nos últimos dias, deixo-vos com um relato que me parece de todo pertinente e o qual tive oportunidade de ouvir no programa “Prova Oral”, do grande Fernando Alvim, na Antena 3. A ouvinte ligava do Norte e deixou-me estarrecido com o seu testemunho. Há muitos anos, quando se iniciava no mercado de trabalho e aprendia a ser independente, um amor fortuito trocou-lhe as voltas da vida e as contas à menstruação, deixando-a grávida ao fim de pouco tempo. Sem ter o apoio certo de um companheiro e o calor do lar para a sustentar, sem ter certeza na certeza que carregava no ventre, sem um salário fixo, sem uma posição segura, terminar de uma vez com aquele pesadelo foi a única verdade que lhe toldou o pensamento. Andou a remoer, a ganhar coragem, a investigar o mercado clandestino e algures nesta demanda, algo a fez inverter a posição e sem saber como, quis fazer das tripas coração e proteger esse sentimento de pertença que nunca um dia pensou ter. Passou fome. Comeu o pão que o diabo amassou. Passou as “passas do Algarve” para levar a sua avante. A persistência e a teimosia que antes a fizeram exemplo de rebeldia, eram agora a força motriz que alimentava a vontade de levar o seu filho avante. Hoje, mais de 15 anos volvidos, ligou para a RDP para nos deixar a todos a sua versão. Hoje, dá Graças a um Deus que então não conhecia porque se na altura da sua indecisão o aborto fosse legal, não teria hesitado e esse teria sido o caminho. E se então tivesse desfeito o que não queria, nunca teria tido oportunidade de ver o seu filho com a alegria e o orgulho com que hoje o contempla. Antes adepta do sim, hoje fervorosa adepta do não, diz que sabe bem o que dizer no dia 11 de Fevereiro. E nem por isso será menos mulher e menos decidida que as outras.
É certo que as mulheres são livres e podem mandar nos seus corpos. Só peço é que sejam mais tolerantes, elas e não eu! e respeitem o corpo dos seus filhos e o considerem não como um apêndice, não como mais uma extensão egocêntrica de si mas sim como uma vida que merece tanto ser respeitada como a sua ou qualquer outra.

Pedindo a vossa paciência e implorando por misericordiosa compreensão, desculpem mas tem mesmo de ser e assim, uma vez mais… vão ter de levar com o aborto.
É que não dá! O pessoal está todo a ficar histérico com esta história e agora que se aproxima o dia D, é cerrar fileiras, entrar de carrinho e a varrer que “em tempo de guerra não se limpam armas”. De repente, parece que ficou tudo tontinho, os do gang do sim e os da turma do não, de bandeirinha e autocolante a varrer os mercados e vielas do Portugal mais que profundo, cada um vendendo os seus argumentos. Até as varinas do Bulhão andam desorientadas a pensar que as últimas eleições parece que foram ontem quando entra a turba ululante em plena alucinação colectiva. É uma encenação circense do mais alto gabarito. Ainda se queixa o Cardinalli que não encontra actuações de reconhecido mérito em solo luso e lá vai ele a caminho da China a buscar mais um comboio deles para o número do trapézio.
Bem dizia o outro que as paredes do Júlio de Matos são altas não para os que lá estão fugirem mas para os que estão cá fora não terem a tentação de entrar.
Pois eu, mais uma vez e já que me obrigam a ser chamado à pedra, tenho mesmo de dizer de minha justiça. Chamem-me retrógrado, tapado, machista, cabeçudo, ultrapassado, chamem-me Torquemada, chamem-me primitivo, regalem-se a baptizar-me com as mais inomináveis abjecções mas eu, nesse dia, voto um não consciente.
Aqui para nós que ninguém nos ouve, o menino Sócrates bem podia estar caladinho porque não lhe fica nada bem manchar a aura de isenção que ostenta na traseira da nuca com a declaração naquilo em que devemos votar. Até o Sampaio que tão confuso andou aqueles anos todos quando dormia em Belém, nos aparece agora mais que esclarecido porque, diz ele, “Portugal não pode ficar para trás”.
E a minha teimosia em não aceitar a liberalização do aborto até às 10 semanas prende-se com um único motivo: a vida desse feto que cresce lentamente na barriga da mãe não lhe pertence a ela, nem à mulher na sua condição, mas sim a ele próprio. Quero eu dizer com isto que se ninguém o impedir, se ninguém se armar em Deus e meter a faca onde a vida já por si brota, esse projecto de ser há-de passar disso mesmo e há-de ser gente de carne e osso. Defendo e acredito profundamente que essa vida que veio sabe-se lá de onde é autónoma e se há-de servir do casulo onde dorme então para passar a caminhar por si quando chegar a sua hora. Apesar de nunca ter sido fã dos Delfins, acabo nestes dias por lhes dar razão. Também eu acho que quando alguém nasce, nasce selvagem, no sentido em que em última instância não pertence a ninguém senão a si próprio e espero que não me mal interpretem nem procurem segundas intenções quando digo isto.
Nos dias que correm, com a informação e a multiplicidade de meios contraceptivos que existem, não faz sentido ter de recorrer a tão dramático corte da mais brutal das maneiras, pelo menos como prática corrente.
Depois vêm com a conversa dos que têm dinheiro vão a Badajoz e os pobres ficam a pé, que na Europa já se faz e eu quero cá saber da Europa e do que fazem os europeus se a conversa que tenho aqui é com a minha consciência e não com eles.
Dizem que se vai continuar a fazer, que vai continuar a haver…
Não digo que não, mas sim que essa é uma falsa questão. Porquê? Quando uma população partilha no mesmo território um sentimento de pertença e uma língua comum, quando uma nação atinge o Olimpo de poder ser um país, há um conjunto de leis que regulamentam o seu viver em sociedade, leis essas que podem ser mais ou menos permissivas, mais ou menos austeras, mais ou menos imutáveis. Pois eu penso que há muitas coisas que se praticam no meu país que podem continuar a acontecer mas lá por acontecerem não quer dizer que devam ser contempladas na lei.
Exemplos? Toda a gente sabe que há droga nas prisões. Se há consumo e doenças associadas à partilha de seringas, dizem os entendidos que devem haver kits descartáveis gratuitos para fornecer aos reclusos. Há quem concorde, certo? Pois eu discordo em absoluto e vão ter de me explicar como se eu fosse muito burro porque se uma prisão é um sistema fechado, alguém tem de meter a droga lá dentro para ela poder aparecer. Entretenham-se então a descobrir quem é que são os mafiosos que se andam a alimentar da conjuntura, fiscalizem os inputs, apliquem penas pesadas e deixem-se de lirismos porque o contrário é ser conivente com a maralha.
Também sou contra a liberalização das drogas duras apesar de muitos defenderem que com ela acabaria o tráfico, como sou contra a existência de salas de chuto assistido e contra a tributação desse tipo de rendimentos. Sim, porque o nosso Estado, espertalhão! prevê a cobrança de tributos até no caso dos obtidos a partir de fontes ilícitas, o que só lhe fica mal porque para além de ser só para inglês ver, ninguém está a imaginar as meninas do Intendente a irem a correr às Finanças para apresentar uma declaração de alterações porque superaram nessa tarde o limite do volume de negócios declarado para efeitos de IVA e IR, pois não?
Eu aqui sou um bocadinho mais pessoa de bem que o nosso mais que tudo e digo que se é ilícito que ilícito seja e continue. Às vezes temos de saber fechar os olhos para as zonas negras da nossa legalidade.
E tanto se me dá como se me deu que na Holanda se fumem ganzas e se cheire coca com a naturalidade com que cá se atam os atacadores dos sapatos. Não acho isso correcto. E o álcool? Bem, isso é outra história. Já dizia o Zé da Calçada que beber vinho era dar de comer a meio Portugal.
Pois voltando ao aborto, eu digo que não, embora tenha clara consciência que muito provavelmente o sim vencerá e elas hão-de abrir garrafinhas de champanhe e dar vivas. Às tantas, até uma ou outra caravana, não? Sim eu sei, a malta gosta é de festas.
Pois este vosso amigo diz-vos que não, que para mim pode continuar mas a lei não o deve contemplar pelo simples motivo que o feto que vai pelo esgoto abaixo ou incineradora dentro, nunca há-de correr à volta de um jardim, comer um gelado de limão à sombra de uma árvore no Verão, ver o mar ou ser gente como todos nós.
Pode parecer lírico, mas se um filho não vos dá jeito na altura, podem ao menos dar-lhe o direito a viver e entregá-lo para adopção depois. Ah, isso não! Nem pensar! É muito mais cómodo como querem agora: veste-se a bata, paga-se a nota e sai-se como se nunca tivesse sido nada. É um calo que saiu. Já está! E eu é que sou egoísta!
De tanta conversa louca que tenho captado nos últimos dias, deixo-vos com um relato que me parece de todo pertinente e o qual tive oportunidade de ouvir no programa “Prova Oral”, do grande Fernando Alvim, na Antena 3. A ouvinte ligava do Norte e deixou-me estarrecido com o seu testemunho. Há muitos anos, quando se iniciava no mercado de trabalho e aprendia a ser independente, um amor fortuito trocou-lhe as voltas da vida e as contas à menstruação, deixando-a grávida ao fim de pouco tempo. Sem ter o apoio certo de um companheiro e o calor do lar para a sustentar, sem ter certeza na certeza que carregava no ventre, sem um salário fixo, sem uma posição segura, terminar de uma vez com aquele pesadelo foi a única verdade que lhe toldou o pensamento. Andou a remoer, a ganhar coragem, a investigar o mercado clandestino e algures nesta demanda, algo a fez inverter a posição e sem saber como, quis fazer das tripas coração e proteger esse sentimento de pertença que nunca um dia pensou ter. Passou fome. Comeu o pão que o diabo amassou. Passou as “passas do Algarve” para levar a sua avante. A persistência e a teimosia que antes a fizeram exemplo de rebeldia, eram agora a força motriz que alimentava a vontade de levar o seu filho avante. Hoje, mais de 15 anos volvidos, ligou para a RDP para nos deixar a todos a sua versão. Hoje, dá Graças a um Deus que então não conhecia porque se na altura da sua indecisão o aborto fosse legal, não teria hesitado e esse teria sido o caminho. E se então tivesse desfeito o que não queria, nunca teria tido oportunidade de ver o seu filho com a alegria e o orgulho com que hoje o contempla. Antes adepta do sim, hoje fervorosa adepta do não, diz que sabe bem o que dizer no dia 11 de Fevereiro. E nem por isso será menos mulher e menos decidida que as outras.
É certo que as mulheres são livres e podem mandar nos seus corpos. Só peço é que sejam mais tolerantes, elas e não eu! e respeitem o corpo dos seus filhos e o considerem não como um apêndice, não como mais uma extensão egocêntrica de si mas sim como uma vida que merece tanto ser respeitada como a sua ou qualquer outra.